segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Quando está indicado usar hormônio de crescimento?

O crescimento normal de uma criança costuma ser bastante previsível. O peso e comprimento ao nascer têm mais a ver com a qualidade da saúde gestacional do que com como ele vai ser quando crescer. A partir de então e até cerca de 2 anos, ele se encaixa em um percentil do gráfico de crescimento e segue uma linha previsível até a estatura final.
Qualquer mudança nesse padrão pode indicar uma doença - não necessariamente endócrina. Doenças renais, hepáticas, gastro-intestinais, nutricionais, doenças inflamatórias crônicas, condições genéticas e cromossomiais, doenças da formação dos ossos e cartilagens... tudo isso, pode afetar significativamente o crescimento.
É importante levar a criança regularmente ao pediatra para - entre outros motivos - acompanhar o ritmo do crescimento. Para perceber o momento em que a tal previsibilidade é quebrada; em que a criança deixa de crescer o quanto era esperado naquele intervalo de tempo.
O próprio pediatra pode investigar as causas, e eventualmente encaminhar para um endocrinologista.
O tratamento com hormônio de crescimento (rhGH) está indicado em algumas situações:
- deficiência de hormônio de crescimento;
- síndrome de Turner;
- síndrome de Noonan;
- síndrome de Prader-Willi;
- insuficiência renal crônica;
- nascidos pequenos para a idade gestacional que não recuperam a estatura até os 2 anos de idade;
- baixa estatura idiopática, quando todas as possibilidades diagnósticas foram pesquisadas e não foi identificada uma causa específica.
A medicação é bastante cara; e apesar dessa lista de possíveis indicações, o fornecimento gratuito pelas Secretarias de Saúde só é autorizado nos dois primeiros casos: deficiência de GH e síndrome de Turner, comprovados por um protocolo de exames.
Não é infrequente ver um paciente crescendo abaixo do esperado, cujos exames para diagnosticar a deficiência de GH vêm normais, e o tratamento ser recusado.
Pior é imaginar que se esse tal paciente tiver condições de comprar a medicação, ele vai usar - ou seja, que o crescimento adicional que ele pode ter com a medicação está condicionado à sua situação financeira. Se o médico julgar necessário, a família pode tentar por via judicial - o que nem sempre é garantido, já que existe um protocolo de fornecimento; mas quem há de proibir o direito de tentar?

Gestação em diabetes

Essa semana recebi a notícia de que duas pacientes diabéticas em acompanhamento comigo no Hospital Cardoso Fontes estão grávidas.
A primeira veio à consulta ontem: 21 anos, com diabetes tipo 1 desde os 13 anos.
E como essas coisas sempre vêm aos pares, a segunda veio hoje: 19 anos, com diabetes tipo 2 desde os 12 anos.
Claro que uma mulher com diabetes, seja tipo 1 ou tipo 2, não é proibida de engravidar. Mas o ideal é que seja escolhido o melhor momento, com controle glicêmico adequado, e que seja acompanhada bem de perto durante toda a gravidez para garantir menor risco tanto para a gestante quanto para o bebê.
O controle adequado é importante para todos os diabéticos todo o tempo, para diminuir o risco das complicações agudas e crônicas; mas especialmente ao programar e durante a gestação, porque estamos falando de duas vidas que dependem disso.
As mães com diabetes descontrolado estão sujeitas a maior risco de doença hipertensiva gestacional, complicações obstétricas, infecção urinária, abortamento espontâneo; e o feto tem risco de nascer grande ou pequeno para idade gestacional, de nascer prematuro e de apresentar malformações, principalmente no sistema nervoso central e cardiovascular.
Mas com cuidado, com dieta adequada, com monitorização frequente da glicemia capilar, com aplicação correta das doses de insulina, é possível minimizar os riscos e levar uma gravidez saudável para a mãe e para o filho.
Vamos ver como as duas pacientes - e as próximas por vir - vão lidar com o diabetes durante a gestação e a maternidade.

Procurando L.

O guarda-chuva em vão tentou me proteger, mas com o tempo as pernas começaram a se encharcar. Chovia, e parava, e chovia, e parava, enquanto eu procurava a casa 29 em uma rua cujos números subiam e desciam aleatoriamente como bolinhas cantadas pelo mestre de cerimônias do bingo, pares e ímpares tanto à esquerda quanto à direita.

Por duas semanas tentamos entrar em contato com a paciente. Sem sucesso. O número de telefone no prontuário dela, e no da irmã, e no da avó, todos incomunicáveis. Peguei o endereço e fui.

Uma das minhas primeiras pacientes no Hospital Cardoso Fontes - e já se vão oito anos! -, 23 anos, portadora de diabetes mellitus tipo 1, recentemente se internou com um quadro de obstrução intestinal. Foi submetida a cirurgia de emergência e ficou bem. Mas o exame histopatológico revelou... câncer. E depois de sair o resultado ninguém conseguiu mais falar com ela.

Primeiro eu encontrei o número da casa.
Sua mãe me viu à porta, disse que ela estava em casa e me convidou para entrar.
- Aconteceu alguma coisa?
Ela sabia que tinha acontecido. Era muito estranho ela me encontrar ali, àquela hora, naquela chuva.
- É melhor a gente conversar todo mundo junto.
Entramos.

Eu podia ter dito apenas que a Cirurgia Geral queria lhe falar, que estavam tentando ansiosamente se comunicar com ela, que ela fosse ao ambulatório saber o que era. Mas eu odiaria se isso fosse feito comigo, me fazer passar a noite em claro pensando em tudo o que eles poderiam querer comigo com tanta urgência, do pior ao pior ainda. Então resolvi tirar o esparadrapo de uma vez.

- A biópsia da sua cirurgia ficou pronta e...
- E...
- E a Cirurgia Geral precisa muito falar com você, porque...
- Porque...
- Porque o laudo diz que você tem um câncer.

Eu não sei qual a melhor maneira de se dizer que alguém tem um câncer. A maneira mais fácil é não ligar para a pessoa; dizer, virar a cara e ir embora, o problema é dela e eu não tenho mais nada com isso. Mas isso eu não sei fazer.

Estávamos sentados no sofá da sua sala, e sua mãe na cadeira adiante. Eu segurei sua mão quando ela começou a chorar - Estou com medo! -, passei o outro braço pelo seu ombro e respondi - A gente vai fazer o que for e o que não for possível para ficar tudo bem.

Fiquei mais um tempo consolando e explicando o que precisaria ser feito dali para frente, repassei a história quando o marido chegou, e depois para a avó, e quando fui embora ainda chovia.
Mas o guarda-chuva não protege das lágrimas.