Em Medicina aprendemos a tentar encaixar todos os
sinais e sintomas de uma apresentação clínica em um mesmo diagnóstico. Ou em
diagnósticos que tenham alguma afinidade fisiopatológica entre si, como
diabetes tipo 2 e hipertensão arterial; ou diabetes tipo 1 e hipotireoidismo.
Afinal, qual a probabilidade de uma pessoa
desenvolver ao mesmo tempo duas doenças diferentes ao mesmo tempo?
Mais ainda: qual a probabilidade de uma pessoa
herdar duas doenças genéticas raras e não relacionadas?
Imagine uma doença genética por mutação esporádica
com incidência de 1 caso por 150.000 nascimentos vivos.
A doença provoca ausência de desenvolvimento de
células vermelhas do sangue ao nascimento, levando a anemia profunda.
Imagine uma doença genética de herança autossômica
dominante com incidência de menos de 1 caso por milhão de nascimentos vivos,
descrita em múltiplos membros de 10 famílias no mundo todo.
A doença provoca crises convulsivas neonatais a
partir de 1 semana e até 1 ano de idade.
Imagine-se, então, antes dos diagnósticos.
O pediatra está diante de uma criança com 1 mês de
vida, com anemia progressiva desde o nascimento e que começa a apresentar
crises convulsivas.
O irmão mais velho também tivera crises convulsivas
neonatais 2 anos antes, o que facilita pensar em uma doença genética. Mas como
encaixar a anemia?
* * *
Esse paciente não é do consultório.
É meu irmão.
O tal irmão dois anos mais velho sou eu.
Depois disso, ainda tivemos uma irmã, e mais
recentemente meu irmão teve um filho, todos com as mesmas convulsões.
Meu pai é engenheiro, eu sou médico, meu irmão é professor de Português
em vias de concluir o mestrado, minha irmã é bióloga, e meu sobrinho é a
criança de 7 anos mais esperta do mundo. Ninguém teve sequelas das crises
convulsivas e nem tornou a tê-las depois de concluído o tratamento com a idade
de 2 anos.