sábado, 28 de maio de 2016

Transgeneridade no Encontro Brasileiro de Endocrinologia Pediátrica

- O que se costuma discutir sobre transgeneridade na infância e adolescência nos congressos de Endocrinologia Pediátrica? - perguntou-me ontem à noite meu camarada Henrique Contreiras, médico pediatra e estudioso das políticas de saúde LGBT.

- Basicamente nada. No máximo, dentro do escopo dos Distúrbios da Diferenciação Sexual, dizendo que não é um. - eu respondi, antes de prestar atenção na programação de hoje do congresso.

Fiquei muito surpreso, positivamente surpreso, quando vi a mesa sobre acompanhamento da disforia de gênero, com palestras do psiquiatra Alexandre Saadeh e da endocrinologista pediátrica Leandra Steinmetz, ambos do AMTIGOS, Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual, do HCFMUSP.

Muito do que ele falou confirmou o que eu pensava, o contrário de alguns grupos ativistas.

1) Que é importante a disforia (ou incongruência, nova proposta de nome para diminuir a patologizacão) constar como um diagnóstico - não de transtorno mental, como ainda consta no DSM-V e no CID-10, mas um diagnóstico. Se requer tratamento - bloqueio da puberdade, hormonioterapia cruzada, cirurgia de transgenitalização, é necessário o diagnóstico.

2) Dizer que "gênero biológico não existe, é uma construção social" é uma grande bobagem. Gênero é biológico - o que não quer dizer que seja apenas genital; o papel de gênero, sim, é uma construção social.
Aliás, quem bem concorda que gênero seja uma construção social são os religiosos, os pastores, que pregam que mudando as condições sociais a pessoa pode reverter a sua transgeneridade (ou a orientação sexual).

3) Identidade de gênero não tem relação com orientação sexual. Ninguém passa pela transição por interesse sexual pelo mesmo ou por outro gênero, e sim por se sentir como membro do gênero oposto ao de nascimento.
Algumas crianças com comportamento cross-dresser na infância podem evoluir mais tarde para se encontrarem como homossexuais, e outras como transexuais. E mesmo pode acontecer de o comportamento involuir e ele/a se identificar mais tarde como cis heterossexual.

4) O tratamento da transgeneridade não é tentar convencer ninguém do contrário, tentar reverter sua identidade de gênero. É, sim, pelo contrário, readequar o corpo da pessoa à sua identidade de gênero, da forma que for necessária - hormônio, cirurgia.

5) O protocolo em vigor diz que o bloqueio da puberdade deve ser iniciado aos 12 anos, e a hormonioterapia cruzada aos 16 anos. Mas de onde surgiram esses números cabalísticos? Segundo consensos mais recentes, o bloqueio deve ser iniciado tão logo comece a puberdade - se já tiver sido feito o diagnóstico à ocasião. Entrar em puberdade com o gênero incongruente agrava os sintomas disfóricos (depressão, agressividade, auto-mutilação), e com frequência a pessoa começa o tratamento hormonal independente do médico - e se vai começar de qualquer jeito, melhor que seja bem orientado/a.