sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Presente de Natal

2016 levou muita gente boa.
Os estertores de 2016 ainda ameaçam muita gente boa.
Mas na semana anterior ao Natal eu vi um milagre acontecer.
Aliás, não, não foi um milagre. Chamar milagre é desdenhar da qualidade técnica e dedicação da nossa equipe de Emergência do Hospital Federal Cardoso Fontes.

Eu estava visitando a Emergência por motivos pouco nobres. O setor estava lotado de gente em todo...s os cantos. Todas as macas, todas as cadeiras, todos os consultórios lotados. Não tinha mais onde atender quem chegasse. E continuava chegando gente.
Como representante da Direção, fui pedir aos pacientes classificados como verde, aqueles cuja clínica não os põem em risco de vida, que por favor procurassem outra unidade. É claro que quem procura a Emergência tem alguma coisa incomodando. Mas em situação limite, se tem que priorizar alguém, vai ser atendido primeiro quem tem mais gravidade. E os menos graves vão esperar. E chegou ao ponto em que não tinha previsão de atendimento dos menos graves.

Nisso entra um homem correndo com uma criança no colo. Estava em parada cardíaca. Para tudo. Chama toda a equipe. Chama a pediatra. Não temos Emergência pediátrica, mas uma situação dessas é irrecusável. E para quem conhece o Cardoso Fontes, a Pediatria não é "logo ali".

Muita gente entra na Medicina com o ideal romântico de salvar vidas. Eu não tenho estômago para isso. Nunca tive. Salvo vidas de outra forma. Diminuindo a progressão de doenças crônicas endócrinas. Mas uma criança sob risco iminente de morte, em parada cardíaca... não é para mim.

Mas eu não podia simplesmente sair. Encontrei o que fazer. Fui falar com o pai. Já tinha enfermeira falando com ele. Enquanto os primeiros socorros já estavam sendo prestados.

- O que aconteceu?
- Ela estava brincando na piscina. De repente a cabeça caiu e ficou embaixo d'água. Quando a gente viu, ela já estava roxinha.

Ela estava bem roxa. Os lábios. Os dedos. O coração não batia. Ela não respirava.

Tive que voltar para minha sala. Numa situação dessas, alguém que não ajuda só atrapalha.

Depois perguntei à chefe da Enfermagem, coordenadora administrativa da Emergência.

- E a menina... - temi prosseguir - ... morreu?
- Nãaaaaao! Conseguimos trazer ela de volta, e logo depois foi transferida para o Rios D'Or.

Obrigado, equipe da Emergência! Obrigado, Enfa. Elaine Vianna e demais profissionais que prestaram assistência à mocinha.

Agradecimento

Estou saindo para o almoço. Um rapaz me para na porta do Gabinete da Direção. Seu rosto me é familiar, mas não lembro a história.

- Obrigado, doutor!
- Eu lembro do senhor, mas não lembro do caso.
- Meu sogro...
- Ah sim! Ele estava na Emergência, não é?
- Sim! Eu vim aqui semana passada para pedir que adiantasse a tomografia que o médico pediu. ...
- E aí, como ele está?
- Ele faleceu ontem, na Enfermaria de Pneumologia.
- Sinto muito.
- Mas ele morreu sabendo que os médicos e a Enfermagem e toda a equipe, todos fizeram o que puderam por ele. Obrigado por tudo!

São demonstrações espontâneas assim que nos fazem acreditar estarmos no caminho certo.