quarta-feira, 17 de junho de 2015

Dos perigos de usar remédios por conta própria

D.S.S. veio à primeira consulta com 2 anos 3 meses, em Set/2012. A mãe se queixava de ganho de peso muito rápido desde os 10 meses e parada de crescimento a partir dos 2 anos.
Trouxe as anotações do pediatra na caderneta de vacinação.
Mostrava que de fato a partir dos 10 meses ele saiu de um peso no percentil 10; e com 1 ano 6 meses estava no percentil 95. A altura se mantinha no percentil 25.
À consulta, estava pesando 18,9kg e media 87cm.
Fiz algumas orientações quanto à alimentação e pedi alguns exames.
Ele voltou 5 meses depois. Tinha perdido 1,15kg. E não tinha crescido nenhum centímetro. Nem meio.
Dentre os exames alterados, uma leucocitose de 21 mil; insulina 46,51 mU/mL; Testosterona, SDHEA, Androstenediona indosáveis; Cortisol 0,7 mcg/dL; 17 OH Progesterona 12,1 ng/dL.
A quem sabe interpretar os exames, isso sugere como primeira possibilidade o uso de algum remédio com corticoide; e a segunda, a terceira e a quarta opção, o uso de algum remédio com corticoide.
- Ele está usando algum remédio?
- Não.
- Nenhum remédio à base de corticoide?
- Não...
- Algum xarope, pomada, creme, gel, loção, colírio, gota otológica...?
- Não.
- Aaaaah, doutor... tem uma coisa! Sempre que ele está atacado da alergia a gente dá um xarope 2 vezes por dia por 7 dias.
- E com que frequência ele precisa?
- Pelo menos umas duas vezes por mês.
- Qual o nome do xarope?
- Prednisolona.
Retirado o remédio - com cuidado! - rapidamente o peso foi de muito acima do percentil 95 para o 75; e a altura, que havia estacionado e chegado ao percentil 5, vem acelerando até hoje e já passou o percentil 50.

domingo, 7 de junho de 2015

O que é uma doença?

Nós médicos passamos os dias em torno dessa entidade, a doença, sem se perguntar o que exatamente isso quer dizer. Talvez por parecer óbvia a resposta. Mas se é mesmo tão óbvia, digam-me, amigos médicos; digam-me, amigos não-médicos, profissionais da área de saúde, pacientes, familiares de pacientes: o que é uma doença?
Georges Canguillem escreveu um livro inteiro sobre isso, "O normal e o patológico", um tratado filosófico sobre, como sugere o título, o que diferencia o estado normal do estado patológico. Mas eu vou tentar ser mais breve.
Eu definiria "doença" como uma condição que aumenta a probabilidade de um evento indesejado - manifestações que atrapalhem o seu dia a dia, que diminuam sua qualidade de vida ou que antecipem significativamente a morte.
Uma "doença bem tratada" é aquela que, mediante alguma intervenção, tem a probabilidade do evento indesejado restabelecida para níveis basais.
Peguemos o diabetes mellitus tipo 2 (DM2).
Ele é caracterizado por níveis de glicose em jejum iguais a ou maiores que 126mg%; ou 200mg% 2 horas depois de uma sobrecarga de 75g de dextrosol.
Esses pontos de corte se revelaram adequados para prever o risco aumentado de complicações microvasculares (na retina, nos rins e nos nervos periféricos) e macrovasculares (doença cardiovascular) relacionados à hiperglicemia.
O hormônio que evita a elevação da glicose é a insulina. As células beta pancreáticas produzem uma quantidade basal, à qual se soma uma "dose" liberada por estímulo da alimentação.
O excesso de gordura abdominal produz hormônios e substâncias inflamatórias que ao mesmo tempo interferem na função da insulina (gerando resistência insulínica) e matam as células beta (levando a menor produção).
Os níveis de glicose começam a aumentar quando a quantidade de insulina que o corpo consegue produzir é menor que o quanto precisa.
Então, ter a glicose alta é uma doença porque aumenta o risco de o sujeito desenvolver doença renal, que em último estágio leva a precisar de hemodiálise; doença retiniana, que provoca à cegueira; doença nos nervos periféricos, com formigamento, dor ou perda da sensibilidade nos pés e nas mãos; doença cardiovascular, com infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca acidente vascular cerebral e doença arterial periférica. Tudo isso junto – ou cada um isoladamente – piora a qualidade de vida e aumenta o risco de morte.
Quanto a isso não há dúvida.
Diz-se que o DM2 não tem cura. Mas é possível que, ao seguir um plano alimentar adequado, fazer exercícios físicos regulares, e por consequência perder peso, o paciente reduza substancialmente os fatores que provocam resistência insulínica e a necessidade de insulina volte a ser menor que a capacidade de produção.
Nesse caso, ele pode se manter sem hiperglicemia, sem inflamação vascular, sem medicação – e sem o risco adicional de agravos à sua saúde e bem estar atribuível ao diabetes .
Entendo que não se fale em cura, porque esse estado é frágil. Se por qualquer descuido ele voltar a ganhar peso, todo o processo patológico vai voltar a agir. Mas eu chamaria de remissão; um estado de não-doença com risco de tornar a ser doença.

Emergência em Diabetes

Quando Emergência se torna um lugar de tratar sintomas, sem se importar com o todo, acontecem coisas assim.
Paciente de 14 anos com queixa de dispneia.
Nebulização com Berotec e Atrovent.
Hidrocortisona.
Solicito radiografia de tórax.
Acontece que o paciente de 14 anos tem diabetes tipo 1, que tinha vindo de um município distante para consulta na Endocrinologia Pediátrica, e ao ser examinado foram detectadas estertorações à ausculta. Por isso foi encaminhado à Emergência.
Alguém perguntou se ele tinha alguma doença? Se fazia algum tratamento? Se usava alguma medicação?
Alguém se incomodou de pedir uma glicemia capilar? Uma gasometria? Alguém pensou se podia ser uma cetoacidose diabética?
Não foi por pressa. Não tinha mais ninguém para ser atendido quando eu cheguei e o menino esperava a nebulização e o médico via qualquer no celular.
E não. Ele não era cubano.

Parto cesáreo ou normal

Se os médicos quebrarmos a estratégia suicida de eu sei, eu faço, eu mando, pronto e acabou, vai ser melhor pra todo mundo.
O parto é, além de uma questão técnica, de respeito à mulher, ao seu corpo, às suas escolhas.
E mesmo tecnicamente, uma das consequências é a perda da confiança na hora de indicar corretamente o parto cesáreo