domingo, 7 de junho de 2015

O que é uma doença?

Nós médicos passamos os dias em torno dessa entidade, a doença, sem se perguntar o que exatamente isso quer dizer. Talvez por parecer óbvia a resposta. Mas se é mesmo tão óbvia, digam-me, amigos médicos; digam-me, amigos não-médicos, profissionais da área de saúde, pacientes, familiares de pacientes: o que é uma doença?
Georges Canguillem escreveu um livro inteiro sobre isso, "O normal e o patológico", um tratado filosófico sobre, como sugere o título, o que diferencia o estado normal do estado patológico. Mas eu vou tentar ser mais breve.
Eu definiria "doença" como uma condição que aumenta a probabilidade de um evento indesejado - manifestações que atrapalhem o seu dia a dia, que diminuam sua qualidade de vida ou que antecipem significativamente a morte.
Uma "doença bem tratada" é aquela que, mediante alguma intervenção, tem a probabilidade do evento indesejado restabelecida para níveis basais.
Peguemos o diabetes mellitus tipo 2 (DM2).
Ele é caracterizado por níveis de glicose em jejum iguais a ou maiores que 126mg%; ou 200mg% 2 horas depois de uma sobrecarga de 75g de dextrosol.
Esses pontos de corte se revelaram adequados para prever o risco aumentado de complicações microvasculares (na retina, nos rins e nos nervos periféricos) e macrovasculares (doença cardiovascular) relacionados à hiperglicemia.
O hormônio que evita a elevação da glicose é a insulina. As células beta pancreáticas produzem uma quantidade basal, à qual se soma uma "dose" liberada por estímulo da alimentação.
O excesso de gordura abdominal produz hormônios e substâncias inflamatórias que ao mesmo tempo interferem na função da insulina (gerando resistência insulínica) e matam as células beta (levando a menor produção).
Os níveis de glicose começam a aumentar quando a quantidade de insulina que o corpo consegue produzir é menor que o quanto precisa.
Então, ter a glicose alta é uma doença porque aumenta o risco de o sujeito desenvolver doença renal, que em último estágio leva a precisar de hemodiálise; doença retiniana, que provoca à cegueira; doença nos nervos periféricos, com formigamento, dor ou perda da sensibilidade nos pés e nas mãos; doença cardiovascular, com infarto do miocárdio, insuficiência cardíaca acidente vascular cerebral e doença arterial periférica. Tudo isso junto – ou cada um isoladamente – piora a qualidade de vida e aumenta o risco de morte.
Quanto a isso não há dúvida.
Diz-se que o DM2 não tem cura. Mas é possível que, ao seguir um plano alimentar adequado, fazer exercícios físicos regulares, e por consequência perder peso, o paciente reduza substancialmente os fatores que provocam resistência insulínica e a necessidade de insulina volte a ser menor que a capacidade de produção.
Nesse caso, ele pode se manter sem hiperglicemia, sem inflamação vascular, sem medicação – e sem o risco adicional de agravos à sua saúde e bem estar atribuível ao diabetes .
Entendo que não se fale em cura, porque esse estado é frágil. Se por qualquer descuido ele voltar a ganhar peso, todo o processo patológico vai voltar a agir. Mas eu chamaria de remissão; um estado de não-doença com risco de tornar a ser doença.

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