terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Entre o açúcar e a pólvora

Nem só de casos bonitinhos vive o ambulatório do Cardoso Fontes.
B. tem 34 anos e é portador de diabetes tipo 1 desde os 2 anos de idade. Desde que está comigo, há 9 anos, nunca se tratou direito. Mantém sempre a hemoglobina glicada maior que 10,0%. Isso quando faz exame! Isso quando volta para consulta! Tem neuropatia periférica e retinopatia proliferativa. O Detran não renovou sua carteira de motorista, mas trabalha como motorista. Era instrutor de auto-escola, virou motorista particular de madame, virou piloto de van. Há 6 meses eu não vejo seus exames de sangue e mapa de glicemia capilar.
Hoje veio mais uma vez sem nenhum exame. Estava bastante emagrecido. Pedi que passasse na enfermagem para medir a glicose. Voltou com o resultado: 510 mg%.
Pedi que fosse ao laboratório dosar com urgência a glicemia, função renal, sódio, potássio e a gasometria venosa. Depois você espera o resultado e eu vejo se está em cetoacidose, se precisa internar.
- Doutor, não posso esperar, tenho que voltar para trabalhar.
- B., você não está entendendo. Cetoacidose é uma complicação aguda grave do diabetes. Se você não tratar, pode morrer.
- Doutor, o senhor não está entendendo. Eu peguei dinheiro emprestado com a milícia pra comprar meu carro, e se eu não pagar até dia 10, eles me matam.
- Mas cliente morto não paga.
- E cliente que não paga é morto.

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