segunda-feira, 11 de abril de 2016

Pegaram meu neto!

Chamo a paciente, uma senhora na década dos 70, de quem já acompanho o diabetes tipo 2 há muito tempo. Ela entra todo sorridente.

 - Doutor, tudo bem? Como vai a Letícia - é Letícia mesmo, não é?


Confirmo que sim, é Letícia, e que ela vai bem. Ligo o celular e mostro algumas das fotos mais novas, e ouço - como ela é linda!, como é grande! (ela não é grande, mas não se tem muita noção de escala nas fotografias), que sorriso esperto!, quanto cabelo!, parece o senhor, doutor Flavio!

Apesar do paradoxo, incompatíveis o ser linda e o parecer comigo - uma versão melhorada, talvez -, agradeço e sigo a consulta.

- E a senhora, como vai?

Choro convulsivo. Tentou falar alguma coisa e eu não entendi, misturadas as palavras com lágrimas e soluços.

- O que houve?
- Pegaram o meu neto, doutor. A milícia pegou meu neto. Tem 20 dias que ele sumiu. Ninguém sabe dele. Não vai mais voltar.

Tinha (ou tem, no presente; os desaparecidos da ditadura militar demoraram mais de 30 anos para serem reconhecidos como mortos) 16 anos. Ficou até tarde jogando videogame na casa de um amigo, e quando voltou para casa, a menos de 100 metros de distância, já estava em vigor o toque de recolher. Ninguém circula pelas ruas depois de tantas horas. Ou a carrocinha pega. No caso, a carrocinha dos puxa-sacos dos milicianos. Um amigo estava com ele e conseguiu correr. Não fosse por ele, ninguém saberia do menino. Hoje esse amigo está fugido, escondido nalgum lugar, jurado de morte.

Pudera que sua glicose estivesse alta...!

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