quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Psicologia médica

O trabalho final da disciplina de Psicologia Médica consistia em fazer entrevistas - e relatórios sobre as entrevistas - com pessoas que tivessem a ver com o módulo em questão. Os módulos diziam respeito às fases da vida de uma pessoa: nascimento, primeira infância, segunda infância, adolescência, idade adulta, envelhecimento e morte. O objetivo era tirar daquela pessoa o conteúdo para entender como ela se sentia ao vivenciar aquela fase de alguma forma no seu dia a dia.
A maioria de nós estava no final da adolescência. Dezoito, dezenove anos, alguns um pouco mais velhos.
O primeiro módulo foi sobre Morte. E fui eu à rua, munido de um gravador, escolher um entrevistado que convivesse com a morte - já que mesmo se eu pudesse entrevistar o próprio morto, duvido que o professor aceitasse. Um policial? Um bombeiro? Um médico de emergência?
Era fim de semana, fazia sol e - coisa que eu não faço com frequência - fui à praia. E pensei se seria uma boa ideia entrevistar um guarda-vidas. Alguém já morreu na sua mão durante um salvamento? Como você lidou com isso? Ele chegou a ir para o hospital ou morreu na praia mesmo? Foi você que deu a notícia para a família? Como você se sentiu?
Fiz a entrevista. Transcrevi a gravação. Fiz meu relatório. Mas não foi legal. Não foi legal ter que chegar para um estranho, me apresentar, perguntar se eu poderia fazer algumas perguntas, fazê-las de fato, enquanto a minha fobia social me dizia e repetia internamente que eu estava sendo ridículo. Ele estava me achando patético, eu tinha certeza, e chegaria em casa e riria às gargalhadas ao contar o que aquele garoto teve a pachorra de perguntar. Fóbico social e paranoico.
E as semanas foram passando, e os módulos foram passando, e aquela experiência me deixou mal para fazer outras entrevistas, e eu estava ficando atrasado com meus relatórios.
No final do semestre eu só tinha uma entrevista feita e relatoriada. E eu a odiava. E e me odiava por ter feito ela daquele jeito. E não tinha tempo de fazer de novo. E nem tinha tempo de fazer as outras entrevistas e os outros relatórios.
E pela primeira vez eu fui reconhecido por uma obra de ficção.
Criei mães falando sobre filhos, professores falando sobre alunos, adultos com sua vida de adulto, idosos e seus medos da morte.
Criei e entrevistei minhas crias.
E tirei 10.

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