domingo, 3 de maio de 2015

Gestação em diabetes

Los Hermanos cantam:
"Quem sabe o que é ter e perder alguém..."
Taí uma coisa que eu contei pra pouca gente, mas que de vez em quando eu lembro e fico feliz e fico triste e nem sei bem o que pensar.
Em algum momento perto do fim do ano passado uma paciente minha do Hospital Cardoso Fontes me disse estar grávida.
Eu a acompanho desde os 11 anos, enquanto estava só acima do peso e com exames de glicose e lipídios alterados, e eu a avisava que corria risco de ficar diabética. Algum tempo depois ela de fato desenvolveu diabetes mellitus tipo 2, e a gente começou a tratar, primeiro com medicações orais, depois em associação com insulina. Se não me engano, dos meus pacientes é até hoje a mais nova a desenvolver diabetes tipo 2.
E lá se vão oito anos.
Ela tinha 19 anos quando me avisou da gravidez. Ainda tem. O diabetes estava longe do bom controle, e a gente combinou de monitorar melhor a glicemia capilar, e usar mais corretamente a insulina, e otimizar as doses, e diminuir o intervalo das consultas para acompanhar de perto a evolução da gravidez.
E entre uma consulta e outra, recebi a maior de todas as surpresas, a maior de todas as homenagens que um paciente pode me oferecer. Fui convidado para ser padrinho do bebê. Foi meu presente de Natal antecipado. E se eu já me sentia responsável pela boa condução da gravidez, como seria e serei de todas as minhas pacientes que vierem a engravidar, a responsabilidade dobrou, triplicou, quadruplicou, multiplicou por mil.
Era véspera de Natal e eu me arrumava para a festa quando ela entrou em contato e me perguntou: É normal ter sangramento? Sim, pode acontecer... mas quanto? Muito. Não, muito não é normal, vai rápido para uma UPA ou para uma emergência obstétrica.
O estresse durou umas três ou quatro semanas, entre muitas idas à maternidade, algumas ultrassonografias e testes de bHCG. Sim, ela tinha perdido a gravidez. Eu lamento não ter podido fazer mais. Eu lamento não ter podido fazer o que quer que fosse preciso para a gravidez chegar ao termo. Eu lamento que a mãe e o pai e os avós e os tios e os amigos tenham que ter passado por tudo isso. Eu lamento ter perdido a oportunidade de ser padrinho desse bebê.
O diabetes mellitus não impede que a mulher engravide. Mas quanto mais bem controlado ele estiver, antes e durante a gravidez, mais seguro vai ser, tanto para a gestante quanto para o bebê. E independente de gravidez, quanto mais bem controlado, melhor vai ser a qualidade de vida futura da mulher.

Nenhum comentário:

Postar um comentário