domingo, 3 de maio de 2015

O caso do guerrilheiro

Não é só de crianças fofinhas que meus dias no Hospital Cardoso Fontes são recheados.
E.O.S., sexo masculino, 75 anos. Vem à consulta acompanhado pela filha. Comenta:
- Eu nasci durante a guerra, doutor! [em 1940, referindo-se à II Guerra Mundial]
- Eu também, Sr. E. Durante a guerra contra a ditadura militar.
- Sabe, doutor... eu fui preso político durante a ditadura.
- Sério, Sr. E.? Me conta! Como foi isso?
- Eu era um dos líderes dos Grupos dos Onze, junto com o Brizola. A gente estava se preparando para pegar em armas contra o golpe quando eu fui preso.
- Pai! Você nunca me contou isso! - surpreendeu-se a filha - Pegar em armas? Você ia matar alguém? Quem, o presidente? Os governantes?
- Eu fui o único do meu grupo a ser preso. Fiquei mais ou menos uma semana. Não passei ninguém.
Fiquei impressionado com a filha não saber da história pessoal do pai. Ok, ele ainda era solteiro e ela ainda não tinha nascido. Mas ser filha de alguém sobre que os livros de História deveriam falar e descobrir assim, em uma consulta ao médico, tantos anos depois, é de cortar o coração.

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